Por Anna Carolina Papp, Andreza Matais
e Leonêncio Nossa em 05/11/2013 na edição 771
Reproduzido do Estado de S.Paulo,
3/11/2013
O Dia do
Radialista, comemorado no dia 7 de novembro, terá este ano um sabor especial.
Nessa data, a presidente Dilma Rousseff vai receber donos de rádios no Palácio
do Planalto para assinar o decreto que permite às emissoras AM migrar para a
faixa FM, atendendo a uma demanda antiga do setor.
A mudança,
que será opcional, tem por objetivo dar um novo fôlego às rádios AM,
prejudicadas com o aumento de ruídos e muitas interferências em suas
transmissões. Enquanto isso, as rádios FM, que desde os anos 80 sempre tiveram
maior aceitação entre os públicos mais jovens, passaram a ganhar mais espaço.
Mesmo sem o grande alcance das AM, as FM apresentam sinais mais limpos e também
podem ser sintonizadas por dispositivos móveis.
“As
emissoras de rádio AM vêm perdendo competitividade por causa da interferência
no seu sinal. Essa é uma questão física: o meio de propagação desse tipo de
onda é muito suscetível a ruídos, prédios, energia elétrica, barulho de
carros”, afirma Daniel Slaviero, presidente da Associação Brasileira de
Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).
Para
Hilton Alexandre, presidente da Associação de Emissoras de Rádio e TV do Estado
do Rio de Janeiro (Aerj), “é uma questão de sobrevivência”. “Há uma queda
gradativa: os jovens não conhecem a AM nem a aceitam, porque a qualidade de
áudio é muito ruim. E as pequenas emissoras estão sendo engolidas, porque não
conseguem mais fazer audiência”, afirma ele, que desde 2009 pleiteia a
migração, juntamente com outros radiodifusores.
A mudança
será possibilitada com a transferência de emissoras de TV do analógico para o
digital. Os canais 5 e 6 VHF devem ficar vagos em 2015, quando a TV analógica
for de fato desativada. Em cidades onde a faixa FM praticamente não comporta
mais rádios, como em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, as emissoras
AM serão alocadas nos canais de televisão recém desocupados, chamados de “faixa
estendida”. Onde o FM não estiver saturado, as rádios serão alocadas na própria
faixa já existente.
Convertida
para rádio, a frequência dos canais 5 e 6 da TV irá de 76 a 88 MHz, tornando-os
“vizinhos” da atual faixa FM, que opera de 88 a 108 MHz (veja quadro). O novo
espectro do FM obrigará a indústria a produzir aparelhos de rádio que consigam
sintonizar a nova faixa. Por isso, diz o presidente da Abert, haverá um prazo
de adaptação de cinco anos, em que o radiodifusor poderá realizar transmissão
simultânea em AM e FM.
Neste
primeiro momento, os canais desativados da AM não despertam interesse do
governo ou do mercado. “Por enquanto, a faixa ficará sem uso, até
desenvolvermos uma tecnologia para aproveitar esse espaço”, diz o ministro das
Comunicações, Paulo Bernardo. Ele afirma que foram feitos testes para averiguar
se a digitalização, que já ocorre no FM, seria uma solução para os percalços do
AM. No entanto, afirma, os resultados não foram satisfatórios. Novos testes,
porém, ainda serão realizados, diz.
Custos
A mudança
para o FM é opcional, porém onerosa. Os radiodifusores terão de pagar por uma
nova outorga, de FM, o que será custoso. Além disso, terão de adquirir
equipamentos condizentes com a nova tecnologia. “Será necessário comprar uma
nova antena e um novo transmissor, o que vai ficar por volta de R$ 70 mil a R$
80 mil”, diz Slaviero. A Abert estima, apenas com os aparelhos, um gasto de R$ 115
milhões para o setor.
Também
podem entrar na conta gastos logísticos, uma vez que, enquanto os transmissores
de AM precisam estar alocados em um lugar plano, os de FM costumam ficar em
lugares altos, como no topo de prédios. Os gastos de energia e manutenção,
contudo, são bem menores em rádios FM.
Segundo a
Abert e o Ministério das Comunicações, as rádios AM que optarem pela migração
ocuparão na faixa FM um espaço correlato, sem perder potência. “Ela vai ter o
mesmo alcance que tinha com o AM”, diz o ministro, se referindo ao raio de
abrangência principal da rádio, conforme estabelecido pela outorga.
Porém, as
rádios perderão a amplitude geral de sua cobertura, uma vez que a AM tem um
alcance maior que a FM. Uma rádio que opera na capital paulista pode, por
exemplo, “pegar” no litoral, ainda que com sinal de baixa qualidade. “Se a
emissora cobria dez municípios, dificilmente vai continuar assim”, diz Ronald
Siqueira, engenheiro da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão (SET).
Para
rádios pequenas, mudança pode ser questão de sobrevivência
Embora
estejam em decadência, as rádios AM têm abrangência considerável. Tanto que,
nas viagens pelo interior do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, agora,
da presidente Dilma Rousseff, o Palácio do Planalto organiza entrevistas para
rádios, especialmente AM. No interior, a AM ainda mantém um público ouvinte
fiel, ainda que em processo de redução, resultado de uma experiência de quase
um século de transmissões.
A primeira
AM a atuar no País foi a Rádio Roquette-Pinto, do Rio de Janeiro, em 1923. Nas
décadas seguintes, as lendárias rádios Nacional e Tupi tiveram seus programas
sintonizados em quase todo o território brasileiro, fazendo, por exemplo, que
clubes do futebol carioca tivessem torcidas em todos os Estados. A chegada da
TV e a migração dos artistas da radionovela para a nova mídia, nos anos 50, não
aposentou a AM.
Caberá às
emissoras colocar tudo na ponta do lápis – audiência, qualidade de sinal,
cobertura – para decidir sobre a migração. Enquanto algumas rádios veem na
medida uma forma de sobrevivência, outras, que dependem de um sinal que atinja
mais municípios, ainda que em baixa qualidade, como na Amazônia, podem optar
por permanecer em AM, por exemplo.
“Emissoras
que têm cobertura muito grande não vão querer migrar, vão querer ficar do jeito
que estão. Acredito que a medida vai ser uma redenção para empresas pequenas de
alcance local, que estão perdendo qualidade, receita e audiência”, afirma o
ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. No entanto, ele prevê que a maioria
dos radiodifusores escolha fazer a mudança.
Um deles é
Jorge Moisés Filho, um dos donos da Rádio Cidade de Vitória, no Maranhão.
Apesar de alcançar 42 municípios com sua programação, Filho responde sem
pestanejar que vai optar pela migração. “Não temos condições de continuar no
AM. A audiência caiu muito, a manutenção é caríssima”, afirma. “Há muitas
emissoras que foram desativadas; conheço umas 15.”
Com muita
interferência, baixa qualidade de sinal e poucos anunciantes, a rádio, que
existe desde 1991, vê no novo decreto uma solução, embora ainda não possa
mensurar quais vão ser os gastos. “Não sei mesmo quanto vai custar; isso aí a
gente vai ter de ver”, afirmou.
Moisés
Filho, no entanto, anima-se com a possibilidade de poder, finalmente, alcançar
os dispositivos móveis. “Essa juventude quer interagir, participar, quer que a
rádio pegue no seu celular. Eles abandonaram a rádio AM”, afirma.
Para
Slaviero, da Abert, esse é o meio no qual os radiodifusores devem ficar de
olho: “Os números indicam que os grande receptores de rádio não serão nem os
fixos, de residências, nem de automóveis, mas sim os celulares. Afinal, são 240
milhões no País”.
Anna
Carolina Papp, Andreza Matais e Leonêncio Nossa, do Estado de S.Paulo
Fonte: Observatório
da Imprensa
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